Do pôster ao elenco, tem cara de comédia, daquelas que vão tentar ensinar algo, lição de moral. Não num sentido negativo, mas mostrando que sim, dá pra brincar e ironizar as filosofias diárias como amor, morte, desapego e o escambau. Quando começa, você sabe que o mundo vai acabar, mas durante todo o desenrolar tive expectativas de que a sinopse estaria redondamente enganada.
Um asteróide vai colidir com a Terra e todo mundo vai morrer. Ponto. Dodge (Steve Carell), o protagonista, acaba tendo sua vida cruzada com a vizinha que ele nunca deu atenção: Penny (Keira Knightley), uma daquelas mulheres carismáticas de filmes desse tipo, amável, quase inocente, estranha, fofa, viciada em discos de vinil e corajosa. Mas é uma preguiçosa do cacete. Todas as correspondências que Dodge deixou de receber da mulher que foi o amor de sua vida, são entregues à Penny, que nunca se deu o trabalho de devolvê-las ao cara.

Numa dessas cartas, o amor da vida dele diz que sente saudade, que
precisa dele. Mas faltam duas semanas para o fim do mundo e o que ele
pode fazer? O cara bebe xarope pra ficar bêbado e toma um vidro inteiro
de limpador de janela e, quando acorda no parque, tem um bilhete no
peito escrito “Sorry” e, na sua frente, um cachorrinho lindo que ele passa a cuidar. Daí o prédio é atacado por vândalos e ele resgata Penny. Culpada, ela decide ajudá-lo a reencontrar a tal namorada do ensino médio.
Dodge: — Então, o que vai fazer quando chegar em casa?
Penny: — […] Vou fazer todas as coisas que deixei de fazer. Não
vou perder tempo com a pessoa errada. Não vou gastar o tempo em que
poderia estar com meus pais pra sair com um completo estranho. Não vou
passar meus dias escolhendo o que usar para noites sem significado. Vou
deixar de perguntar se estou com a pessoa certa ou se é com esse tipo de
cara que vou ter filhos. Todas essas perguntas ridículas. É libertador.
Seria uma simples historinha tola se não fossem as ótimas ironias e
personificações dos diferentes tipos de reações ao fim do mundo. Bem no
começo, na festa dos amigos de Dodge, temos cenas hilárias,
surreais, do tipo que fez perguntar como tudo poderia ser pior na vida
real, sem o toque de piada, sem o humor cinza (porque não chega a ser
tão obscuro). É inteligente e sensível quando aborda decisões: você vai
foder com todo mundo sem se preocupar de engravidar ninguém, vai usar
heroína, vai assaltar bancos, vai incendiar casas e pessoas, vai se
jogar do alto do prédio ou vai continuar sua rotina como se o fim dos
tempos não fosse nada além de um ponto no futuro que mesmo previsível, ainda não chegou?

O relacionamento entre Penny, Dodge e Sorry (o
cachorro) é o marco-zero pra questionar todos os tipos de atitudes, tudo
que fizemos, que poderíamos ter feito e o que poderíamos fazer.
Maximiza essa necessidade boba que temos de nos vitimizar, reclamar e
deixar tudo na merda (já que o fim é a única certeza que temos, com ou
sem apocalipses).
O fim do mundo não é o período de juízo final. Ele é sobre deixar o
passado pra trás e tentar aproveitar cada segundo ou milênio da melhor
forma possível, para todos os envolvidos. Pois bem dito no filme, “nunca teríamos tempo suficiente”, e é a realidade! Se parar pra pensar, a gente nunca vai ter tempo suficiente pra amar, pra odiar, pra respirar, pra tomar Coca ou
pra mandar as pessoas tomarem no cu e esquiar logo depois. Ou a ordem
inversa. Cada momento é importante (parece comercial de câmera
digital…).
— Tá, mas isso tudo é clichê! Milhões de filmes falam sobre a mesma coisa! Por que eu deveria assistir Procura-se Um Amigo Para o Fim do Mundo, Enrique-sem-H?
— Pela perspectiva! pela chance de olhar seus sonhos, suas esperanças, suas fomes e sedes de outra maneira!
Tem essa parte do filme que acho legal citar pra deixar bem claro o que quero dizer:
Dodge: — Minha esposa fugiu recentemente, tão rápido quanto
qualquer ser humano poderia. Só precisou do Armagedon pra ela ter
coragem. O que é irônico, pois não morrer sozinho foi uma das razões que
me levaram a casar.
Penny: — Sua colega de quarto era sua esposa (quando Penny diz,
mais cedo, que via a companheira de quarto dele entrando em casa com o
namorado, sendo que essa mulher era esposa de Dodge e o traía).
Dodge: — Minha esposa era minha colega de quarto.
E o final, o desenrolar, as conclusões de que cada coisa acontece no
momento em que tem que acontecer… cara, ainda tô absorvendo o filme.
Fiquei na dúvida entre dar 4 estrelas ou 4,5. As últimas cenas são tão
dilacerantes quanto navalhas dentro de um terno Hugo Boss:
elegantíssimas. E leves. Engasgaram meu choro até o presente momento, em
que escrevo tentando pôr no lugar tudo que o filme se propôs a dizer.
E espero que esse fim do mundo se torne o começo de um 2013 (ou do resto
do mês, pra que esperar?) onde você possa tentar, assim como eu, sentir
cada sabor oferecido pela vida e parar de dar atenção somente ao
amargo.